O rádio resiste aos avanços tecnológicos e mantém fãs e colecionadores. Em São Carlos (SP), um deles já chegou a investir o dinheiro da festa do primeiro casamento para adquirir o aparelho dos sonhos.
O locutor Indalecio Alves de Oliveira, de 41 anos, contou que em 1999 pagou o equivalente a R$ 13 mil por um aparelho de 1938 conhecido por Scott, fabricado por Ernest Humphrey Scott.
"Foi feito sob encomenda do filho do conde Francesco Matarazzo, que exigiu ao fabricante norte-americano o uso do jacarandá-da-bahia para fazer a parte estética de madeira", contou o restaurador.
Há tempos Oliveira procurava por um modelo semelhante. Cerca de 40 dias antes de se casar, soube da existência de um nos fundos de uma chácara em Barretos (SP). Na época, o dono pediu R$ 13 mil e ele fechou negócio.
"O duro foi contar para a noiva que não teria mais a festa porque eu comprei um rádio. Foi uma semana de choro e quase desistência, mas depois resolvemos conversar, casamos e fizemos uma comemoração mais simples", contou o locutor que hoje já está em um novo relacionamento.
No mês passado, ele conseguiu comprar outro rádio que também perseguia desde os 9 anos. O modelo com a imagem de Nossa Senhora Aparecida é de 1960 e aparecia nas revistas de eletrônica do Instituto Universal Brasileiro. Esse, porém, conseguiu por um valor mais modesto: R$ 500.
Conserto e restauração
Há mais de 30 anos, Oliveira dedica a vida no restauro de rádios. O trabalho artesanal requer conhecimento, dedicação e paciência. É na oficina junto com a mulher, Aline Pires Santos, que ele usa a criatividade para recuperar aparelhos, muitas vezes em péssimo estado.
O processo não é simples, restaurar um rádio pode levar até cinco anos. Os valores variam de R$ 600 a R$ 12 mil.
Segundo ele, o restauro é um resgate de memórias."A pessoa tem todo um histórico familiar por meio do aparelho, há rádios que marcaram a infância. Quando você coloca para funcionar, a pessoa até chora de emoção. Gosto muito do momento que entrego o trabalho concluído", contou.
Oliveira disse que já recebeu aparelhos de várias regiões do Brasil e também da Argentina, Uruguai, França e Estados Unidos. Na oficina, ele faz a parte de usinagem, marcenaria, pintura e polimento. Tratamentos químicos mais elaborados são terceirizados. Para ele, a maior dificuldade na restauração é recriar as peças mecânicas.
"Eu já fiquei 19 horas em um torno e fresna para fazer um único botão de rádio porque ele era muito desenhado. Achei que tinha ficado perfeito até ir a casa de uma amiga que trabalha com artesanato. Ela fez um molde de silicone, usou resina e saiu um botão igual. Então é isso, a gente vai aprendendo", disse.
Encanto pelo rádio
Formado em direito e engenharia elétrica, Oliveira se encantou pelo rádio aos 9 anos quando o pai, aposentado da Polícia Militar, montou uma oficina técnica. Ele observava como era feito conserto dos aparelhos e logo começou a aprender a profissão. Aos 13 anos, o jovem visitou uma emissora de rádio pela primeira vez e pouco tempo depois passou a atuar também como locutor.
Dos 540 aparelhos que mantêm hoje,o restaurador afirmou que pelo menos 150 funcionam. Os demais necessitam de algum tipo de retoque. Um dos mais antigos é um rádio Galena de 1917, ainda com o auto-falante original.
O locutor sonha em criar um museu para disponibilizar seu acervo, mas precisa de patrocínio. Para tentar arrecadar verba, ele divulga por meio da rede social a ideia de uma exposição itinerante. Para ele, a paixão pelo rádio é eterna.
"Tudo o que você imaginar o rádio foi pioneiro: novelas, jornalismo, notícias de guerra, programas humorísticos, de calouros. Ele sempre foi a companhia ideal. O rádio reunia a família, diferente da internet que afasta. O rádio ainda está na memória e por isso não podemos deixar acabar", disse.
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