No começo deste ano a dor de cabeça do setor de radiodifusão com um antigo problema aumentou alguns pontos. A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional emitiu parecer que reforça posição já manifestada pela Procuradoria Federal Especializada da Anatel sobre um tema polêmico: empresas de radiodifusão, incluindo rádios e emissoras de TV, devem recolher o Fust. Ou seja, devem recolher 1% da sua receita bruta para o fundo, que é por lei destinado à universalização dos serviços de telecomunicações, especificamente àquele prestado em regime público, o STFC, como estabelece a Lei do Fust (Lei 9.998/2000).
Como se sabe, contudo, o Fust existe desde 2000 e nunca foi aplicado no seu propósito específico. Mas já arrecadou até hoje R$ 20 bilhões aos cofres do governo. O impacto imediato para as empresas de rádio e TV, caso o entendimento de que também precisam pagar o fundo prevaleça, é de cerca de R$ 1 bilhão.
A manifestação da PGFN é opinativa e visa subsidiar a Advocacia Geral da União sobre o tema. Cabe ainda à AGU uma palavra final, uma vez que existe divergência dentro das diferentes instâncias jurídicas do governo sobre o tema. Foi a AGU quem pediu um parecer à PGFN, que normalmente só opina sobre questões relacionadas aos órgãos vinculados ao Ministério da Fazenda. O parecer da PGFN é de 2 de janeiro de 2018, teve origem na Coordenação-Geral de Assuntos Tributários e é assinado pelo Procurador Geral da Fazenda Nacional, Fabrício da Soller.
Segundo Paulo Firmeza, titular da Procuradoria Federal Especializada da Anatel, trata-se de uma das etapas do processo que corre na Advocacia Geral da União desde 2013. Naquela ocasião, a PFE da Anatel se manifestou sobre o tema, entendendo que o serviço de radiodifusão era um serviço de telecomunicações e, portanto, sujeito à tributação pelo Fust. Mas foi a terceira vez que a PFE da Anatel se posicionou sobre o tema, sendo que nas duas anteriores o entendimento era diferente, ou seja, pela não cobrança. Ainda assim, a matéria foi submetida à Consultoria Jurídica do Ministério das Comunicações, que se manifestou de maneira contrária à PFE. Para a Conjur do Minicom, em seu parecer de 2013, apesar de haver entendimento claro da Justiça (inclusive com manifestação do STF) de que radiodifusão é serviço de telecomunicações, trata-se de uma espécie distinta, já que os serviços de radiodifusão não são regulados pela Anatel nem prestados em regime público ou privado estabelecidos pela LGT, como são os demais serviços. Firmeza esclarece que, por haver uma divergência jurídica sobre o assunto dentro do próprio governo, não é possível falar em dívida da radiodifusão com o Fust, pois ainda não houve nenhum tipo de lançamento do crédito. "O que se discute é o direito de constituir estes créditos", explica o procurador.
O problema para as empresas de radiodifusão é que o entendimento da PFE da Anatel diz que a cobrança deve se dar sobre a receita das empresas, inclusive as receitas com publicidade e merchandising, que configuram o grosso do faturamento de TVs e rádios.
A origem da polêmica é ainda mais antiga: vem de 2000, quando o conselho diretor da Anatel editou o Regulamento de Arrecadação do Fust sem fazer nenhuma salvaguarda ao serviço de radiodifusão. Naquela ocasião, a Abert (entidade que representa as emissoras) conseguiu na Justiça uma liminar, que acabou sendo cassada ainda em 2001. A ação foi concluída em 2013, desfavoravelmente à associação dos radiodifusores. O argumento da Abert sempre foi no sentido de que não havia cabimento entender o serviço de radiodifusão como os demais serviços de telecomunicações, pois não havia receita direta com o serviço, mas sim sobre o conteúdo por ele trafegado e sobre o qual se vendia publicidade. Quando a ação foi concluída a PFE da Anatel se manifestou pela cobrança e encaminhou o caso ao ministério. Com a divergência de pareceres, o assunto escalou para a Advocacia Geral da União, que pediu então a manifestação da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. "A nosso ver, a Procuradoria Federal Especializada junto à Anatel interpretou corretamente a legislação da CIDE-FUST. (…) A Lei não fez distinção se a receita deveria ser auferida direta ou indiretamente da prestação de serviços de telecomunicações", diz o parecer da PGFN. "Por esta razão, as receitas auferidas pelas empresas radiodifusoras com propaganda, publicidade e merchandising também estarão sujeitas à incidência da CIDE-FUST", diz a procuradoria fazendária. É uma opinião negativa para os radiodifusores, mas não é definitiva, pois cabe à AGU a palavra final.
Próximos passos
Conforme observa um radiodifusor que acompanha de perto o caso, não seria possível esperar outra manifestação da PGFN, uma vez que o foco da procuradoria é buscar, dentro da interpretação da lei, o cumprimento de obrigações que maximizem a arrecadação. Mas ainda há expectativa de que o entendimento jurídico a prevalecer será em linha com o que colocava o Ministério das Comunicações em 2013, pelo não cabimento da cobrança. O principal foco de atuação das empresas de radiodifusão é nesse sentido.
Agora, as emissoras de rádio e TV precisam aguardar que a Advocacia Geral da União resolva a questão. Se a AGU opinar pela não-cobrança, problema resolvido. Se a AGU decidir pela cobrança, a Anatel terá que lançar os créditos e estabelecer o passivo que terá que ser calculado referente aos últimos cinco anos. O cálculo desse montante é complicado, por envolver não apenas as emissoras de TV de todo o Brasil, mas também as rádios comerciais. Estima-se que a receita anual do setor de radiodifusão seja da ordem de R$ 20 bilhões ao ano, mas ninguém tem esses números de maneira precisa. De qualquer maneira, o Fust acumulado nos cinco anos tributáveis, se estes números estiverem corretos, é da casa de R$ 1 bilhão.
Mudança na Lei
Outra alternativa ao setor de radiodifusão é uma eventual mudança na Lei do Fust (Lei 9.998/2000), que deixe clara a distinção entre as receitas com a venda de serviços de telecomunicações e aquelas decorrentes de venda de publicidade. Várias tentativas foram feitas em diferentes projetos que tramitam sobre o fundo. A mais recente está no PLC 79/2016, que cria o novo modelo para o setor de telecomunicações. O projeto tem como foco central a mudança no regime de concessões de telecomunicações, a renovação de espectro de frequência para as teles e o prazo de consignação das posições orbitais brasileiras, mas um dos artigos, incluído na discussão ainda na Câmara, faz uma sutil alteração na Lei do Fust, deixando claro que a tributação do fundo só se aplica aos serviços prestados no bojo do inciso XI do Artigo 21 da Constituição, ou seja, os serviços de telecomunicações claramente regulados por lei específica (no caso, a Lei Geral de Telecomunicações). O PLC 79 está sendo discutido na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação do Senado, e voltará a ser objeto de audiência pública no próximo dia 8 de maio.
FONTE: TELA VIVA