Para muitas pessoas, o fim da solidão começa com a trilha sonora Love’s Theme, o instrumental da orquestra de Barry White. Ao fundo, a voz sedutora de um locutor pergunta: “Você está sozinha? O Marlon, de 35 anos, é de Samambaia e procura uma mulher para relacionamento sério”. Em seguida, o comunicador passa o número de telefone do possível pretendente. Mesmo na era do Tinder, namoros e casamentos começam em programas de rádio.
Popularizados na década de 1990, os programas românticos alastraram-se por todas as emissoras do país, inclusive no Distrito Federal. Quase 30 anos depois, os “love songs” mantêm audiência fiel dos ouvintes, contrariando as previsões pessimistas dos amantes tecnológicos. Esse sucesso de quase três décadas é comprovado no livro Boa Noite, Boa Sorte, fruto da robusta pesquisa do jornalista brasiliense Augusto Berto.
Augusto realizou 754 entrevistas com participantes desse tipo de atração, todos moradores do Distrito Federal e do Entorno. “Voltava para casa à noite e ouvia um programa desses. Foi bem na época que o Tinder começou a bombar. Fiquei curioso para entender quem eram essas pessoas, ainda adeptas ao rádio para buscar relacionamentos”, explica o escritor.
A obra relata histórias emocionantes de quem realmente encontrou a alma gêmea a partir de uma ligação para uma estação de rádio. Um desses personagens é Daniel Gomes, um homem que nunca tinha dado nem sequer um beijo até os 30 anos. “A nossa primeira reação é tentar julgar, mas é preciso cautela. Nós não sabemos a realidade dessas pessoas, em qual nível de solidão elas se encontram”, pondera Augusto.
A timidez, aliás, é um dos principais motivos para o envio de mensagens nas ondas da FM. “O rádio é uma opção mais fácil e barata. Ninguém tem de sair de casa e enfrentar a realidade dos bares”, acredita o autor. “Sem contar que [o meio] diminui a barreira estética. No aplicativo, se não gostar da foto, nem a primeira conversa acontece”, completa.
Dos 754 entrevistados pelo jornalista, apenas três moravam na região do Plano Piloto, levando o pesquisador a concluir que a procura por parceiros por meio de programas de rádio é um fenômeno muito maior nas demais regiões administrativas. “O rádio é um meio de comunicação mais utilizado nas periferias, onde as pessoas dão maior valor à oralidade”, avalia Nélia Rodrigues Del Bianco, mestre em comunicação social pela Universidade de Brasília (UnB).
A maioria dos apaixonados do rádio tem renda de até dois salários mínimos e idade média de 30 anos. O gênero cria uma diferenciação na participação: homens são dominantes nos programas, enviando seus perfis e contatos. As mulheres ouvem a atração e entram em contato, raramente se “anunciam”.
“Infelizmente, tem muito resquício do machismo. Muitas mulheres têm receio do que a sociedade irá pensar. Elas não se expõem tanto, mas entram em contato com os rapazes divulgados na programação”, explica.
O carioca Alex Blau Blau é locutor veterano dos programas românticos desde 1996
Histórias de amor
O programa Histórias de Amor, transmitido pela rádio
Metrópoles FM de segunda a sexta, das 12h às 13h, adapta-se aos avanços tecnológicos e possui audiência fiel de ouvintes de todo o Distrito Federal. “Há 22 anos, quando comecei, as pessoas nos mandavam cartas. Hoje, recebo e-mails e mensagens no telefone, a interação ficou mais dinâmica, mas o romantismo é o mesmo”, explica o locutor Alex Blau Blau.
O apresentador garante que a programação não se resume a perfis solitários. “Voltamos com as traduções, elas são o maior sucesso. Também recebemos milhares de histórias. Muitas vezes, os ouvintes desejam compartilhar suas experiências, sejam boas ou ruins. Faz bem a quem desabafa e também serve de inspiração aos outros”, conta Blau Blau.
Morador de Ceilândia, Francisco César Nunes dos Santos, de 38 anos, é fã do programa. “Eu já chorei ouvindo as histórias, são muito emocionantes”, afirma o rodoviário. Casado com a também rodoviária Érica Regina, 35, ele não cansa de oferecer músicas românticas à esposa. “Ela me tirou do fundo do poço e me deu uma família completa, com quatro filhos. Gosto de surpreendê-la nos dias comemorativos”, diz.
A atitude de Francisco também é eficaz na hora de fazer as pazes. “Hoje, por exemplo, o Blau Blau me ajudou a pedir perdão. Nós brigamos, eu falei várias coisas que não deveria e me arrependi. Quando chegar em casa, vou saber se funcionou”, brinca o ceilandense. No repertório do casal, não podem faltar os clássicos sertanejos de Zezé di Camargo & Luciano, Rick & Renner e Bruno & Marrone.
FONTE: METRÓPOLES