POR MARCOS SERGIO
A rádio AM formou caráteres. Foi por meio dela que construí minha formação brega-musical. Que às 10h de todo domingo ouvia sequências de uma hora apenas de Roberto Carlos. Ou esperava às 14h dos dias úteis para me esconder e não ouvir as histórias tristes do “Que Saudade de Você”.
Mas nenhum deles foi mais contundente que Zé Béttio, que morreu nesta segunda-feira (27), aos 92 anos. Da criança que o acompanhava aos recursos recorrentes de acordar quem ainda adiava o pulo da cama. “Joga a água nele” e “Olha a hora, gente, olha a hora” são os grandes antecessores do despertador de camelô.
Era Zé Bettio quem nos acordava e apressava para o banho e o café da manhã não demorar demais.
Ouso dizer que era a última voz que ouvia antes de minha mãe me abençoar ao sair de casa rumo ao ponto de ônibus.
Zé Bettio, Ely Correia e Paulo Barbosa era a famosa trinca da AM. O primeiro tocava música sertaneja pré-estouro – meu pai adorava e acordava cedo para ouvir. Ely Correia apostava no desespero das histórias tristes de “Que Saudade de Você” e “Cadê Você”. E Paulo Barbosa fazia a transição entre o que começava a ser o pop de FM e o popular das amplitudes médias. Era dele a famosa “Dose Dupla”: quando a música repetia logo depois de ser executada a primeira vez.
Desses, Ely é o único sobrevivente. Zé Béttio e Paulo Barbosa morreram neste ano. Carreguei a cultura plantada pelos dois durante toda minha infância, quando FM ainda era coisa “de rico”. Paulo tinha a música da “vovó” e ainda apresentava o surreal TV Pow, no SBT, em que a audiência “controlava” o jogo na TV por meio de gritos de “pau, pau, pau”.
Da última vez que me veio Zé Bettio na cabeça foi quando o Racionais MC lançou “Nada Como Um Dia Depois do Outro”, em 2002, que começa com um despertador de camelô. Ali, lembrei que a troca dos programas de AM havia sido consolidada por aqueles acessórios baratos. E assim os velhos comunicadores eram retirados da nossa rotina de dia a dia.
FONTE: TRÊS PONTOS