Mais de 180 etnias indígenas são representadas em conteúdos da programação da Rádio Yandê — Foto: Rádio Yandê/Divulgação
Programador, DJ, locutor, publicitário, apresentador, diagramador e, acima de tudo, indígena. Esse é um currículo resumido da trajetória de vida de Anápuáka Muniz Tupinambá Hã hã hãe, o coordenador e idealizador da Rádio Yandê, a primeira rádio indígena online do Brasil. Criada em 2013 no Rio de Janeiro, através da parceria do comunicador com Denilson Baniwa e Renata Machado Tupinambá, a rádio já alcança mais de mil ouvintes diários e é reproduzida em mais de 40 países diariamente.
Anápuáka sempre esteve permeado pela comunicação, até mesmo em seu nascimento. Nos anos 70, período auge da ditadura militar brasileira, começava a se expressar enquanto observava a luta indígena para ocupar um lugar de relevância. “Aprendi a ler e escrever com 4 para 5 anos. Recebia o conhecimento do meu povo Tupinambá e estava acompanhando no front a luta pela demarcação e retomada de terras indígenas”, conta.
Anápuáka Muniz Tupinambá Hã hã hãe é filho de pai indígena e mãe negra e coordena a Rádio Yandê — Foto: Juliana Almeida/Acervo Pessoal
Foi ouvindo o Programa de Índio (primeiro programa radiofônico feito pelos povos indígenas, nos anos 80) que idealizou: “Por que nós indígenas não tínhamos a nossa própria mídia indígena?”. Alcançando os sete anos de existência, a Rádio Yandê prova, atualmente, que conseguiu romper fronteiras e se estabelecer: tem 60% de seus ouvintes não indígenas em todo o planeta e 40% compostos principalmente por indígenas das Américas.
Yandê significa eu, nosso, nós... o que marcou o lema da emissora: “a rádio de todos nós”
Conversas sobre questões indígenas, denúncias, pedidos de músicas, declamação de poesias, leitura de histórias e até a comunicação direta com diversos povos ao redor do mundo são algumas das atrações da programação da rádio. Além disso, é inteiramente online e possui artigos escritos no site e vídeos gravados com temas que vão desde o suicídio indígena à sustentabilidade. “A pauta é indígena. Tudo é uma coisa só, somos uma natureza”, explica Anápuáka.
O amor de Anápuáka Tupinambá pela Rádio Yandê marcado na pele — Foto: Thiago Camelo/Acervo Pessoal
E as músicas indígenas pedidas e tocadas manifestam essa unidade nos mais diversos estilos. Rap, rock, pop, MPB, forró, música eletrônica, metal, reggae, pagode, ‘sofrência’ e tantas outras fusões da programação musical em mais de 190 línguas indígenas. "Música indígena para nós é mais que divertimento, como muitos acham. É um meio de luta, mobilização, aprendizado, transferência de conhecimento ancestral, não importando o gênero musical usado como elemento de conexão aos prazeres sonoros”, explica o coordenador da rádio.
Pois somos raízes secando no solo, folhas de outono se renovando no colo
— Trecho do rap indígena “A Viagem” de Ian Wapichana & Wescritor
Apesar da origem carioca, a estrutura da rádio foi pensada para não ter estúdio físico, o que permitiu que mais de 180 etnias estejam representadas em conteúdos da programação com o auxílio de colaboradores e parceiros da Yandê em diversos pontos do globo, observando as particularidades de cada povo. É o que Anápuáka chama de “etnojornalismo”, de acordo com ele: a pauta que sempre tem como foco o ser humano indígena.
O comunicador, que já teve que leiloar cocares para pagar as contas de manutenção da rádio, afirma receber constantemente mensagens de agradecimento e admiração pelo trabalho. Mas a recordação mais forte dessa trajetória retoma um tempo diferente. “O dia mais marcante foi no primeiro dia online, onde tinha somente uma pessoa ouvindo e nós nem tínhamos divulgado para ninguém. Esta única pessoa é importante para nós até hoje. Não sabemos quem, mas sempre será o início desta realização de mídia indígena”, relembra.
Dia do Índio é data de luta e de busca por direitos e não é considerado motivo de celebração para os povos — Foto: Anápuáka Tupinambá/Acervo Pessoal
A internet, que inevitavelmente atingiu as aldeias indígenas, tornou-se ferramenta para ampliar discursos e manter tradições através da Rádio Yandê. “A faca pode passar manteiga num beiju de massa ou de goma (tapioca), mas também pode usar-se para matar. Nós usamos para salvar as vidas indígenas e não indígenas”, compara o coordenador. O Dia do Índio (19 de abril) é mais uma data para fazer a voz indígena ser propagada e transmitida pela web. O coordenador espera que, dessa forma, a difusão garanta o direito de que todas as nações indígenas do Brasil sonhem coletivamente um dia.
Todos os coordenadores da Rádio Yandê são comunicadores e têm experiência na prática — Foto: Rádio Yandê/Divulgação
Ouça a rádio acessando: https://radioyande.com/
FONTE: G1